Entre a divisão e o excesso, quando o desejo não encontra lugar.
Há alguns anos, aconteceu na Escola Brasileira de Psicanálise uma jornada intitulada “Que Quer a Mãe Hoje?“. E, mesmo tendo se passado quase uma década, acredito que ela continua profundamente atual. Nessa jornada, o que se discutiu foi que a maternidade já não é mais, como já foi um dia, a saída primordial para uma mulher diante de seus impasses. A maternidade, hoje, implica uma escolha. Uma mulher pode, ou não, escolher ser mãe.
A partir dessa possibilidade, abrem-se diversas questões. Vou trazer aqui, duas dessas vias diante da maternidade. Não são as únicas, mas, são duas recorrentes das quais eu tenho pensado.
A primeira diz respeito àquela mulher que deseja ter um filho, mas não deseja, necessariamente, ser mãe. Ela quer a criança, mas não suporta abrir mão de seu ser de mulher, recusando a divisão entre esses dois lugares. Em outras palavras, ela quer o filho sem consentir com a perda, com o deslocamento de seu investimento libidinal. Essa recusa pode gerar efeitos importantes, tanto para ela quanto para o filho, que se vê lançado num lugar confuso, ora fetiche, ora objeto de completude, sem a mediação necessária da separação simbólica.
De outro lado, encontramos aquelas mulheres que fazem do lugar de mãe sua única posição possível. Os filhos tornam-se uma extensão de si mesmas. Nesses casos, o excesso de dedicação, que, à primeira vista, pode parecer amor, revela-se como uma forma de captura. São mães que, ao verem os filhos crescerem ou se destacarem, passam a competir com eles, a invejá-los, a exigir retorno ou submissão. A separação, aqui, não é possível, porque a mãe não consente em ser “desnecessária”. E isso também tem consequências clínicas relevantes, tanto para a constituição subjetiva da criança quanto para a posição da mulher diante da vida e do desejo.
É sobre essas duas posições que gostaria que a gente conversasse neste texto. Porque elas têm implicações clínicas importantes, tanto para o sujeito feminino que se torna mãe, quanto para a criança, adolescente ou adulto que nasce dessa relação.
Então, escolher ter um filho implica também sustentar um desejo que aceite a divisão entre ser mãe e ser mulher. Ou seja, é preciso que essa mulher deseje ser mãe, o que inclui abrir mão de certas formas de satisfação. E é preciso que essa mãe continue desejando ser mulher, o que inclui não se reduzir inteiramente à maternidade. Essa sustentação da divisão é uma das vias possíveis para o trabalho clínico diante dessas duas posições femininas do ser: a da mulher que não quer perder nada e a da mãe que tudo oferece, mas exige em dobro.
Então, esse breve texto é apenas uma fresta, uma abertura, para que o desejo de saber nos convoque a seguir tecendo nossas inquietações. Inclusive, quero trazer numa próxima conversa a questão: afinal, o que quer um pai?