Uma coisa que tem me chamado atenção nos últimos tempos é a forma como temos lidado com os diagnósticos. Há uma ânsia em nomear tudo, como se classificar fosse sempre necessário, quando muitas vezes o que se faz é patologizar modos de ser no mundo.
Infelizmente, essa necessidade de dar nome às coisas tem vindo acompanhada de uma grande irresponsabilidade. É assustador ver como profissionais — e até quem nem é da área — têm tratado o diagnóstico como algo simples. Não é. Fazer um diagnóstico sério é uma tarefa complexa, que exige tempo, escuta e responsabilidade. E definitivamente não se faz isso com vídeos de 15 segundos no TikTok. Não é com “desça tantos dedos” que alguém descobre que tem TDAH. Não é apontando traços isolados que se define se alguém é autista, bipolar, ou o que quer que seja.
Um diagnóstico não nasce de um vídeo viral. Ele se constrói ao longo de muitos encontros. Envolve testes, sim, questionários, instrumentos validados — mas também, e principalmente, envolve escuta. Porque não estamos lidando apenas com sintomas; estamos lidando com sujeitos. E sujeito é atravessado por história, cultura, instituições, condições sociais e econômicas. É preciso conferir valor singular ao sofrimento. Porque sofrimento não é genérico — ele tem nome, cor, classe, tempo e espaço.
Se cada tempo produz modos de funcionamento, a questão diagnóstica não deve também levar em conta o contexto sócio-histórico? As instituições que cercam o sujeito? Ao invés de responsabilizá-lo individualmente por um sofrimento que é muitas vezes partilhado, ou até mesmo produzido por uma determinada lógica social? Quando o diagnóstico ignora esses atravessamentos, ele perde potência ética e clínica.
Uma criança tida como desatenta pode estar, na verdade, com a atenção toda voltada para um conflito familiar que a consome. Um adulto pode estar vivendo um luto, uma ruptura, uma angústia que transborda em forma de sintomas. E isso tudo precisa ser levado em consideração. O diagnóstico só tem sentido se for capaz de olhar para a totalidade — e não reduzir alguém a um rótulo.
Há ainda outra questão: vivemos numa época em que, ao mesmo tempo que ensinamos as crianças a questionarem, temos dificuldade em lidar com esse questionamento. E aí, quando uma criança se posiciona, indaga, diz não — ela ganha o rótulo de TOD: Transtorno Opositivo Desafiador. Mas será que é isso mesmo? Será que estamos escutando o que essas crianças têm a dizer? Ou será que estamos apenas tentando silenciá-las com diagnósticos?
Por isso, deixo aqui uma provocação: será mesmo necessário nomear tudo? Será que não estamos nos perdendo na pressa de classificar?
E mesmo quando, depois de uma avaliação séria, comprometida e cuidadosa, chega-se a um diagnóstico — ele não pode ser encarado como sentença. Um diagnóstico não é destino. Ele deve ser ponto de partida. Um lugar de cuidado, não de aprisionamento. Nomear por nomear, a gente não precisa disso. Mas nomear para compreender, para cuidar, para construir caminhos — aí sim, faz sentido.
Que a escuta siga sendo o nosso compromisso — porque todo sofrimento carrega uma história singular. E se todo diagnóstico parte de uma categoria, não seria essencial lembrar que é no encontro com o caso único que ele ganha verdadeiramente sua direção?