Museu de Imagens do Inconsciente: um santuário entre arte, ciência e cuidado

Museu de Imagens do Inconsciente

Este texto nasce de uma admiração profunda por Nise da Silveira e sua trajetória. É fruto das minhas leituras, estudos, vídeos assistidos e, principalmente, da minha escuta pessoal — uma escuta afetiva e ética, que se impressiona com o modo como a Dra. Nise da Silveira atravessou a psiquiatria com ciência, sensibilidade e coragem. Não se trata aqui de um texto exaustivo, acadêmico ou definitivo, mas de uma tentativa de homenagear e compartilhar o que me atravessou a partir de tudo que venho aprendendo sobre ela. Cada linha é também um convite: que outras escutas e olhares se somem a esse diálogo.

Hoje, na data da publicação deste artigo, o Museu de Imagens do Inconsciente comemora mais um ano de vida, foi fundado em 20 de maio de 1952. Ao entrar no site do Museu de Imagens do Inconsciente, você lê na página principal o seguinte: “Criado como um centro de estudo e pesquisa, o Museu de Imagens do Inconsciente, localizado no Rio de Janeiro, cuida e divulga um importante patrimônio da humanidade. São milhares de obras que produzidas por pessoas que experienciaram vivências psíquicas profundas. Suas portas estão abertas a pesquisadores e ao público em geral.” Dessa forma se percebe de cara a seriedade do que foi construído e ainda o é, nesse espaço de arte, ciência e cuidado fundado pela psiquiatra Dra. Nise da Silveira e seus colaboradores.

Assim, o Museu de Imagens do Inconsciente, fundado em 1952, é fruto de uma construção lenta, profunda e inovadora liderada pela psiquiatra Nise da Silveira, e não uma ideia surgida de forma repentina. Ao longo de anos de trabalho no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, e mais tarde na Casa das Palmeiras, Nise e sua equipe reuniram, organizaram e catalogaram um volume impressionante de produções artísticas realizadas por pessoas em sofrimento psíquico.

Diante de todo o acervo ajuntado, catalogado e estudado, nos intramuros do Hospital Psiquiátrico, um acervo crescente e consistente, armazenado com método e cuidado — cada obra ligada ao seu autor, aos seus processos e fases clínicas — que a equipe percebeu que aquilo não poderia se perder. Assim nasceu o museu: como resposta à riqueza científica e simbólica daquelas produções, e não apenas como expressão artística ou terapêutica. Nise acreditava na ciência como aliada da escuta afetiva. Ela não era apenas uma pioneira sensível: era uma pensadora de vanguarda, comprometida com a pesquisa, com a clínica e com o rigor ético.

A origem desse trabalho remonta à sua readmissão como psiquiatra em 1944, quando assumiu o Setor de Terapêutica Ocupacional. À época, os tratamentos predominantes para a loucura envolviam violência institucional: eletrochoques, isolamento, lobotomia. Nise recusou tais práticas e propôs outro caminho: o da escuta, da observação, da criação livre.

Inspirada pelas ideias de Carl Gustav Jung, ela passou a ver nas imagens espontâneas criadas pelos pacientes — ou “clientes”, como preferia chamá-los — uma forma de linguagem do inconsciente, especialmente útil em casos como a esquizofrenia, em que a linguagem verbal lógica muitas vezes falha. As produções nos ateliês de pintura e modelagem eram feitas sem sugestões ou modelos, e a liberdade criativa era sagrada.

Com o tempo, a coleção se tornou vasta e profundamente reveladora. Cada série de imagens funcionava como um diário visual do inconsciente, documentando transformações emocionais e clínicas. Era impossível, do ponto de vista científico, ignorar a força daquele material. Diante disso, em 1952, Nise e sua equipe estruturaram formalmente o Museu de Imagens do Inconsciente: um espaço não só de preservação, mas de pesquisa rigorosa, análise e estudo aprofundado do mundo simbólico da mente humana.

Foi esse olhar que levou à fundação da Casa das Palmeiras, em 1956, uma clínica aberta, antimanicomial, onde os clientes podiam criar com mais autonomia e estabelecer vínculos mais horizontais com os profissionais. Daí também surgiu muito do material posteriormente incorporado ao museu. Nise observava os símbolos, as cores, os padrões — como as frequentes formas circulares que expressavam, segundo Jung, a ação organizadora e curativa da psique.

Obras de artistas como Emídio de Barros, Fernando Diniz, Rafael Domingues, Adelina Gomes, Carlos Pertuis e Lúcio Neiman ganharam reconhecimento. O crítico de arte Mário Pedrosa viu nelas uma “arte virgem”, dotada de força plástica e simbólica que desafiava os paradigmas da arte moderna. Para ele, essas criações não eram apenas testemunhos clínicos — eram obras de arte autênticas.

O museu segue ativo e é parte do Instituto Municipal Nise da Silveira, do Rio de Janeiro, reunindo cerca de 360 mil obras. Ateliês terapêuticos, pesquisa, conservação e divulgação continuam vivos, mantendo aceso o legado humanista e científico de Nise. O projeto continua a mostrar que a arte pode ser uma linguagem fundamental da alma, um veículo de escuta e transformação.

Mais do que um museu, o MII é uma afirmação da dignidade psíquica e da complexidade humana. Um lugar onde a escuta se faz pelas cores, pelas formas, pelos gestos — e onde, ainda hoje, ecoa pelos corredores a frase que marcou essa história: “Arte, fluido vital.”

Acesse a página do museu no link a seguir: https://museuimagensdoinconsciente.org.br/

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