Nise da Silveira: quando o afeto vira revolução

Algumas pessoas passam pela vida abrindo caminhos onde antes só havia muros. Nise da Silveira foi uma dessas. Médica, psiquiatra, mulher em meio a uma medicina dominada por homens e tratamentos violentos, ela escolheu outra rota: a do respeito, da escuta e da potência criativa que habita até mesmo nos cantos mais machucados da mente.

Enquanto a psiquiatria da época apostava em lobotomias e eletrochoques, Nise acreditava que o afeto, o olhar atento e o fazer com as mãos podiam tocar onde os remédios não chegavam. No Hospital do Engenho de Dentro, ela criou um espaço onde pessoas diagnosticadas com transtornos mentais podiam pintar, modelar, costurar — e, nesse contato íntimo com os materiais, revelar algo de si. Não para serem “consertadas”, mas para serem vistas.

Ela chamava isso de “a emoção de lidar”, a partir da fala de um de seus clientes. Era o barro, a tinta, o tecido — mas, mais do que isso, era a presença. O carinho. O tempo. A aposta de que havia vida ali, mesmo quando tudo ao redor dizia o contrário.

Foi em Jung que Nise encontrou um pensamento que ressoava com o seu sentir. Ele dizia que, enquanto o neurótico fala com palavras, o esquizofrênico fala com imagens. Nise escutou essas imagens com olhos de artista e coração de cientista. Mandalas, arquétipos, símbolos profundos começaram a surgir das mãos dos seus clientes — e Jung se impressionou ao ver ali uma força criadora e curativa que muitos julgavam impossível.

Ela ainda fundou a Casa das Palmeiras, onde as janelas estavam sempre abertas e os jalecos ficaram de fora. Lá, quem entrava não era um “paciente”, mas um “cliente”, alguém com história, com desejo, com dignidade. Tinha bicho, tinha arte, tinha liberdade. E tinha cuidado, no sentido mais bonito da palavra.

Nise enfrentou o sistema, criticou a indústria da loucura, e ajudou a construir os alicerces da reforma psiquiátrica brasileira. Mas, mais do que isso, ela deixou uma lembrança viva de que o afeto pode ser uma forma de resistência. Que a escuta pode ser revolucionária. E que há força onde muitos só veem fragilidade.

Seu legado nos convida a olhar o outro com menos medo e mais presença. Porque, no fim, como ela mesma disse, “há 10.000 modos de ocupar-se da vida” — e ela escolheu estar com aqueles que mais precisavam ser vistos.

Fonte da imagem: “ocupacao_nise_da_silveira_itau.pdf” (Ocupação Nise da Silveira – Itaú Cultural)

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