O Anseio que Nos Habita: Reflexões sobre Ansiedade, Desejo e Individuação

A ansiedade é uma resposta do organismo a situações de perigo ou estresse. No entanto, quando essa resposta se torna excessiva e persistente, pode evoluir para um transtorno, impactando significativamente a vida do indivíduo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos de ansiedade afetam cerca de 4% da população mundial, com uma prevalência ainda maior entre mulheres. No Brasil, esse índice é ainda mais alarmante: 9,3% dos brasileiros sofrem com algum transtorno de ansiedade.

Mas a ansiedade não é apenas um sintoma clínico a ser eliminado; ela é um fenômeno psíquico que carrega um significado profundo. Para Lacan, a ansiedade, a angústia é um afeto que não engana, revelador do desejo e da falta. Na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, a ansiedade é vista como um sinal de conflito entre consciente e inconsciente, um chamado para a individuação. Assim, a ansiedade se manifesta não apenas como sofrimento, mas também como um indicador de algo maior—um anseio que atravessa o sujeito.

Ansiedade: Entre o Desejo e a Falta

A psicanálise lacaniana compreende a ansiedade como um fenômeno ligado ao desejo. Diferente de outras emoções, ela surge quando há um rompimento na dinâmica entre o Real, o Simbólico e o Imaginário. Em termos simples, sentimos ansiedade quando nos confrontamos com algo que escapa da simbolização—um excesso que não conseguimos nomear, algo que nos falta e nos angustia. Para Lacan, a ansiedade não engana: ela aponta para um vazio, uma ausência de significação que o sujeito não consegue resolver.

Na psicologia analítica de Jung, o foco está na experiência subjetiva do paciente, compreendendo os fenômenos psíquicos em sua totalidade e observando os padrões que emergem ao longo do processo analítico. A ansiedade, nesse contexto, não é vista apenas como um sintoma a ser eliminado, mas como um sinal de que forças inconscientes estão em conflito com a consciência. O analista não se limita a identificar a ansiedade como um transtorno isolado, mas busca compreender suas origens, significados e relações simbólicas dentro da psique do paciente. Ao longo da análise, diferentes manifestações da ansiedade podem ser observadas por meio de sonhos, fantasias, comportamentos e até reações somáticas. Esses elementos fornecem pistas sobre conteúdos reprimidos ou aspectos negligenciados da personalidade, como aqueles relacionados à sombra, aos complexos ou ao processo de individuação. Nesse sentido, a ansiedade pode ser tanto uma crise quanto uma oportunidade de transformação e desenvolvimento psíquico.

Se na psicanálise lacaniana a ansiedade é um indicativo da falta estrutural do desejo, na abordagem junguiana ela pode representar uma ruptura no processo de individuação. Em ambos os casos, a ansiedade não é apenas um problema a ser erradicado, mas um fenômeno a ser escutado e interpretado.

Sintomas e Fatores Desencadeadores

Os sintomas da ansiedade variam, incluindo preocupação excessiva, inquietação, fadiga, dificuldade de concentração, tensão muscular e insônia. Além das manifestações emocionais e cognitivas, há sintomas fisiológicos como taquicardia, sudorese e desconforto gastrointestinal.

Os fatores desencadeadores da ansiedade são múltiplos, combinando aspectos genéticos, ambientais e psicológicos. Experiências traumáticas, estresse crônico e desafios existenciais são elementos comuns. No contexto da modernidade, a aceleração do tempo, as exigências sociais e a hiperconectividade criam um cenário propício para o aumento dos quadros ansiosos. Para Jung, essa realidade contemporânea distancia o sujeito de sua dimensão simbólica e instintiva, intensificando o sofrimento psíquico.

O Papel da Psicologia no Tratamento da Ansiedade

O tratamento da ansiedade envolve múltiplas abordagens, sendo a psicoterapia um elemento central. Diferentes correntes psicológicas oferecem caminhos distintos para o manejo desse sofrimento.

Na abordagem lacaniana, a análise busca levar o sujeito a se confrontar com a estrutura de seu desejo e com a forma como a falta se inscreve em sua vida. O processo de escuta e interpretação permite ao analisando ressignificar sua angústia e encontrar novas formas de lidar com o real.

Já a técnica analítica, a partir de Jung, envolve a escuta atenta, a amplificação simbólica e a interpretação dos fenômenos que surgem no setting terapêutico. Assim, a ansiedade é compreendida não apenas como um desconforto psíquico, mas como um chamado para transformação, revelando aspectos importantes do processo de individuação e desenvolvimento do Self.

Dessa forma, assim como na Psicanálise, a clínica na Psicologia Analítica valoriza a singularidade do sujeito, permitindo que a ansiedade seja integrada como parte do movimento natural da psique, ao invés de ser apenas suprimida ou patologizada. O trabalho analítico, portanto, não impõe rótulos, mas convida o paciente a um diálogo profundo com sua própria psique, promovendo um crescimento mais autêntico e significativo.

Além da psicoterapia, mudanças no estilo de vida, como a prática de atividade física, técnicas de relaxamento e uma rotina de sono adequada, podem contribuir para a redução dos sintomas ansiosos.

Em suma…

A ansiedade é um dos transtornos mentais mais prevalentes na sociedade atual, mas também um fenômeno psíquico que carrega um significado profundo. Na psicanálise lacaniana, ela aponta para o desejo e a falta; na psicologia analítica, é um sinal de desarmonia psíquica e um chamado para o processo de individuação.

O papel da psicologia no manejo da ansiedade vai além da simples redução de sintomas. Ele envolve um olhar para o sujeito como um todo, ajudando-o a compreender o que sua ansiedade está tentando comunicar. Ao reconhecer a importância do acompanhamento psicológico, não apenas promovemos o bem-estar emocional, mas também resgatamos a dimensão simbólica e existencial da experiência humana.

Afinal, a ansiedade pode ser tanto um peso quanto um caminho – o que a define é a forma como nos relacionamos com ela.

Este post foi escrito em colaboração com Suelen Batista – Psicóloga – Abordagem Junguiana

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