“Sentimento que não espairo; pois eu mesmo nem acerto com o mote disso, o que queria e o que não queria, estória sem final. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem…”
(Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
A vida não vem com manual, e talvez seja exatamente por isso que ela nos inquieta tanto. Em um mundo que nos vende, a todo instante, a ideia de que podemos (e devemos) controlar tudo, lembrar que o correr da vida embrulha tudo pode ser, ao mesmo tempo, libertador e desconfortável.
Vivemos como se fosse possível prever cada passo, segurar cada emoção, evitar cada dor. Mas a verdade é que a vida é feita de altos e baixos, de fases quentes e frias, de momentos em que tudo aperta… e logo depois, alivia. Há tempos de sossego, mas também de desassossego. Nada se mantém exatamente igual. A estabilidade, por mais que desejada, é ilusão. A única constante é o movimento.
E é esse movimento que tantas vezes nos angustia. Porque ele revela que não temos controle sobre tudo — e talvez nem sobre quase nada. Mas então, qual o sentido de tentar controlar tanto? O que realmente está ao nosso alcance, se não o agora?
Essa pergunta nos leva a um ponto central: como estamos vivendo o tempo presente?
Como estamos atravessando esse agora, esse instante que, por mais simples ou doloroso que pareça, é o único que realmente temos?
A psicologia nos convida a uma escuta atenta da experiência. E quando paramos para ouvir com profundidade o que estamos sentindo, percebemos que, mesmo nas fases mais difíceis, há algo a ser colhido. Não se trata de romantizar o sofrimento, mas de perceber que até ele traz consigo pistas, convites, oportunidades de transformação. São nesses momentos que descobrimos forças que nem sabíamos que tínhamos. Coragens silenciosas. Pequenas alegrias resistentes.
Guimarães Rosa nos aponta algo valioso: a vida quer da gente coragem, não apenas para suportar, mas para se alegrar de propósito, até mesmo no meio da tristeza. Isso não é negar a dor, mas permitir que a luz também habite o escuro. É ter a ousadia de não deixar que a tristeza roube tudo, de não se apagar por inteiro.
E talvez a verdadeira coragem seja essa: continuar presentes. Respirar fundo e perguntar com honestidade: como eu estou atravessando esse tempo da minha vida? Estou tentando controlar tudo, ou estou me abrindo ao que ele pode me ensinar?
Porque o que fazemos agora, com o que temos em mãos, é o que vai respingar no que vem logo adiante. E às vezes, ao invés de mais planos e certezas, o que a vida nos pede é mais presença, mais sensibilidade, mais inteireza no momento.
Então, que a gente possa se permitir viver o agora com menos rigidez e mais curiosidade. Que possamos acolher o descontrole como parte da travessia. E que, mesmo sem entender tudo, tenhamos coragem de nos alegrar, de verdade, ao clarear do dia.