O que quer a mãe?

"Afeto" - Augusto Higa

Entre a divisão e o excesso, quando o desejo não encontra lugar.

Há alguns anos, aconteceu na Escola Brasileira de Psicanálise uma jornada intitulada “Que Quer a Mãe Hoje?“. E, mesmo tendo se passado quase uma década, acredito que ela continua profundamente atual. Nessa jornada, o que se discutiu foi que a maternidade já não é mais, como já foi um dia, a saída primordial para uma mulher diante de seus impasses. A maternidade, hoje, implica uma escolha. Uma mulher pode, ou não, escolher ser mãe.

A partir dessa possibilidade, abrem-se diversas questões. Vou trazer aqui, duas dessas vias diante da maternidade. Não são as únicas, mas, são duas recorrentes das quais eu tenho pensado. 

A primeira diz respeito àquela mulher que deseja ter um filho, mas não deseja, necessariamente, ser mãe. Ela quer a criança, mas não suporta abrir mão de seu ser de mulher, recusando a divisão entre esses dois lugares. Em outras palavras, ela quer o filho sem consentir com a perda, com o deslocamento de seu investimento libidinal. Essa recusa pode gerar efeitos importantes, tanto para ela quanto para o filho, que se vê lançado num lugar confuso, ora fetiche, ora objeto de completude, sem a mediação necessária da separação simbólica.

De outro lado, encontramos aquelas mulheres que fazem do lugar de mãe sua única posição possível. Os filhos tornam-se uma extensão de si mesmas. Nesses casos, o excesso de dedicação, que, à primeira vista, pode parecer amor, revela-se como uma forma de captura. São mães que, ao verem os filhos crescerem ou se destacarem, passam a competir com eles, a invejá-los, a exigir retorno ou submissão. A separação, aqui, não é possível, porque a mãe não consente em ser “desnecessária”. E isso também tem consequências clínicas relevantes, tanto para a constituição subjetiva da criança quanto para a posição da mulher diante da vida e do desejo.

É sobre essas duas posições que gostaria que a gente conversasse neste texto. Porque elas têm implicações clínicas importantes, tanto para o sujeito feminino que se torna mãe, quanto para a criança, adolescente ou adulto que nasce dessa relação.

Então, escolher ter um filho implica também sustentar um desejo que aceite a divisão entre ser mãe e ser mulher. Ou seja, é preciso que essa mulher deseje ser mãe, o que inclui abrir mão de certas formas de satisfação. E é preciso que essa mãe continue desejando ser mulher, o que inclui não se reduzir inteiramente à maternidade. Essa sustentação da divisão é uma das vias possíveis para o trabalho clínico diante dessas duas posições femininas do ser: a da mulher que não quer perder nada e a da mãe que tudo oferece, mas exige em dobro.

Então, esse breve texto é apenas uma fresta, uma abertura, para que o desejo de saber nos convoque a seguir tecendo nossas inquietações. Inclusive, quero trazer numa próxima conversa a questão: afinal, o que quer um pai?

Visite nosso blog! Veja as última postagens

Nise da Silveira: quando o afeto vira revolução

Enquanto a psiquiatria da época apostava em lobotomias e eletrochoques, Nise acreditava que o afeto, o olhar atento e o fazer com as mãos podiam tocar onde os remédios não chegavam. No Hospital do Engenho de Dentro, ela criou um espaço onde pessoas diagnosticadas com transtornos mentais podiam pintar, modelar, costurar — e, nesse contato íntimo com os materiais, revelar algo de si. Não para serem “consertadas”, mas para serem vistas.

Leia mais »
Simbolizar o diagnóstico como ponto de partida e não como destino.

Diagnóstico: ponto de partida, e não um destino

Um diagnóstico não nasce de um vídeo viral. Ele se constrói ao longo de muitos encontros. Envolve testes, sim, questionários, instrumentos validados — mas também, e principalmente, envolve escuta. Porque não estamos lidando apenas com sintomas; estamos lidando com sujeitos. E sujeito é atravessado por história, cultura, instituições, condições sociais e econômicas. É preciso conferir valor singular ao sofrimento. Porque sofrimento não é genérico — ele tem nome, cor, classe, tempo e espaço.

Leia mais »
plugins premium WordPress